terça-feira, 8 de junho de 2010

Praticando ashtanga vinyasa yoga na gravidez

Frequentemente sou questionada sobre a possibilidade de se praticar asthanga na gravidez. Também me pedem por dicas e orientações em relação ao que é necessário adaptar à prática durante a gestação, então me propus a escrever esse artigo para esclarecer as dúvidas em torno do assunto e relatar algumas das minhas experiências com a prática durante a gravidez.

Para uma gestante que nunca praticou yoga ou nunca teve contato com o ashtanga vinyasa, eu acredito que uma prática menos rigorosa ou mesmo uma aula específica para gestantes seja o mais indicado. Por outro lado, para aquelas que já praticam a modalidade, não havendo nenhum impedimento médico para a realização de atividades físicas, acredito que a prática possa ser extremamente benéfica.


É preciso sim fazer diferentes adaptações à prática, que vão variar ao longo de cada período da gravidez. Cada gestação é diferente da outra e às vezes o que funciona para uma pessoa pode não funcionar para outra. É importante contar com a ajuda de um professor experiente, praticar com cautela havendo alguma dor ou sensação de desconforto e principalmente, abrir-se para experimentar a prática de uma nova forma, escutando sua intuição.

Muitas das dicas que tratarei aqui se baseiam na minha própria experiência praticando durante a gravidez e no contato com alunas gestantes. De qualquer modo, reforço a importância de, além de observar as orientações dadas por um professor ou às que proponho aqui, estar atenta as sensações que chegam de seu próprio corpo.

No início da gestação o corpo ainda sofreu poucas transformações e é normal querer continuar praticando da mesma forma de antes, mas é justamente nos primeiros meses, quando os riscos com o feto são maiores, que os cuidados devem ser mais intensos. Muitos professores recomendam que se interrompa a prática até os três primeiros meses para retomá-la a partir do 4º mês. Acredito que isso depende muito de cada caso. Muitas mulheres se sentem cansadas, com enjôos e sem energia durante esse estágio inicial da gravidez e me parece mais indicado que se faça uma prática mais suave durante essa fase. Eu mesma me senti bastante cansada a partir do 2º mês e fui orientada a dar uma pausa na prática, mas senti que fazer as saudações ao sol e algumas das posturas iniciais da sequência me ajudavam a ficar mais disposta ao longo do meu dia. Durante o 2º e 3º mês mantive uma prática adaptada mais enxuta, com ênfase nas saudações ao sol, posturas de pé e algumas posturas restauradoras, fazendo um longo relaxamento ao final. A partir do 4º mês, quando a sensação de cansaço e os enjôos cesaram, voltei a praticar novamente a série completa, introduzindo algumas modificações.

Logo no inicio da gestação, é preciso evitar as posturas que façam pressão sobre o abdômen, como algumas das torções. Excluí da sequência a Parivritta Parshvakonasa, mas mantive durante dos primeiros meses a a Parivritta Trikonasana, que apesar de ser um torção, não pressionava o abdômen. Quando a barriga ainda não havia crescido eu também realizava as torções sentadas da Marychiasana C e D, mas não de forma completa. Apenas torcia levemente o tronco , inclinando-o um pouco para trás, de forma a distanciar o abdômen da coxa. Muitas vezes, as gestantes me perguntam se é preciso eliminar as torções de sua prática. Como mencionei antes, o importante é não pressionar a barriga, mas há como fazer diversas torções de forma suave, sem que haja esse tipo de pressão. Acredito que a execução dessas posturas de forma cuidadosa pode ajudar muitas vezes a aliviar dores na lombar, que costumam ser bastante comuns nesse período.

Na saudação ao sol, passei a caminhar ao invés de saltar e também comecei a praticá-la com os pés levemente afastados, dando mais espaço para a barriga nas flexões à frente. A distância entre os pés pode ir aumentando, conforme a barriga cresce.

Para as praticantes que já dominam os bandhas é difícil deixar de fazê-los no início, mas o uddhyana deve ser evitado, justamente pela contração que acaba ocorrendo no abdômen. Quanto ao mula-bandha, ele pode ser benéfico para fortalecer a região do períneo.

Outras posturas, como a Kurmasana também não devem ser realizadas, mas para aquelas que já executavam a postura, é possível trabalhar com variações. Manter ou não determinada postura depende não apenas da condição da praticante na gestação, mas também do domínio que ela tinham em relação a determinada postura antes da gravidez. Se a postura era realizada com dificuldade, não recomendo que continue sendo praticada na gestação. Por outro lado se a postura era executada tranquilamente sem alterações no ritmo respiratório, então é possível que se possa continuar a realizá-la, muitas vezes introduzindo pequenas alterações.

E as invertidas? Essa é uma questão que divide opiniões... Já ouvi muita gente dizer que não são indicadas e há outros que não fazem restrições a executar algumas delas, de acordo com a condição da gestante. Eu realizei boa parte das invertidas durante a gestação e apenas fui eliminando-as da minha sequência próximo ao 8º mês, quando a barriga havia crescido bastante. Para minhas alunas, oriento a fazer as posturas invertidas apenas caso já as executassem com segurança e estabilidade antes da gravidez. Não aconselho fazê-las no intervalo entre o 1º e o 3º mês, nem no final da gestação. Também peço que observem com atenção às sensações e à respiração, e que deixem de praticá-las, havendo algum tipo de desconforto. Eu particularmente não me sentia bem fazendo a Halasana (Arado), nem a Salamba Sarvangasana (Vela), mas gostava de fazer a Urdhva Padmasana e a Sirsasana. A Karna pidasana e a Pindasana eu recomendo excluir da sequência, ja que podem exercer pressão no abdômen. Também acho conveniente não praticar a Uttana Padasana, já que sem a execução do udhyana bandha, essa postura pode sobrecarregar a região lombar.

Respirar de forma lenta e profunda. Isso é talvez o mais importante, independente de que postura se está realizando. A respiração é o aspecto chave numa prática como essa e na gravidez, ainda mais, é importante que não se tenha grandes alterações no ritmo respiratório.

Entrar em contato com as sensações que vem do corpo e aguçar essas percepções é algo de especial que a prática pode trazer. E ao fazer isso, vamos nos abrindo para o novo.

Aprendi durante minha prática na gravidez a desacelerar. Passei a experienciar diversas posturas de forma diferente. Deixei a intuição me conduzir em muitos momentos, me dizendo quando parar e me inspirando a experimentar uma postura sob novo enfoque. A prática ficou mais introspectiva, mais profunda, a respiração, ainda mais lenta. E o cansaço dos primeiros meses foi substituído por uma grande vitalidade.

Senti uma enorme transformação em minha prática durante a gravidez, que me trouxe um novo entendimento sobre a prática de ashtanga. Não um entendimento racional, mas algo que vivenciei no corpo. A respiração adquiriu uma dimensão mais profunda. O fluir da prática ficou mais compassado. Aceitação, entrega , amorosidade e coragem pulsando nesse novo corpo. Os pés pareciam se enraizar no chão. Numa Trikonasana, numa Virabhadrasana eu me sentia estável, firme, inteiramente presente. Não importava a postura que viria a seguir, mas a que se fazia no instante.

O instante.

Ali estava eu e minha bebê naquele dialógo silencioso da nossa respiração e pulsar.

No trabalho com o corpo se experimentam muitas dores. Não falo aqui de uma dor relacionada a lesões , mas dessas dores transformadoras, quando rompemos com determinados padrões posturais ou couraças. Na prática diária as enfrentamos. Não de armas em punho, mas com nosso fogo interno, peito aberto, respirando. Com cor-agem,numa ação determinada, um agir do coração. Na hora do parto também vem a dor. Dor que é também de transformação. E nesse esforço compartilhado, mãe e bebê vivem plenamente o instante. Respiram e pulsam.